Total de visualizações de página

terça-feira, 8 de abril de 2014

A Batalha do Rio Negro e uma das maiores mentiras sobre a história do Rio Grande


A Batalha do Rio Negro e uma das maiores mentiras sobre a história do Rio Grande

Exatamente hoje, 27 de novembro de 2013, completam-se 120 anos de um dos episódios mais emblemáticos da história gaúcha. Foi neste dia, na estação do Rio Negro, próxima a Bagé, que se deu uma das batalhas mais sangrentas da Revolução Federalista.

Naquele dia, uma coluna do Gen. Joca Tavares atacou a coluna do Mar. Isidoro Fernandes, entrincheirada nas cercanias da estação. A luta foi feroz e após um dia inteiro de peleia os maragatos impuseram uma estrondosa derrota aos chimangos: mais de trezentos castilhistas foram mortos na batalha.

Ocorre que depois da derrota, os chimangos, que detinham a máquina pública e boa parte da imprensa gaúcha, criaram o boato que persiste até hoje: que os 300 mortos, na verdade, haviam sido degolados pelos maragatos. O mito foi crescendo e com a vitória dos castilhistas ao final da guerra, foi a versão que permaneceu na história.

Mas a verdade é bem diferente disso. Basta uma pesquisa histórica isenta e de certo fôlego para mostrar que houve, de fato, degolas naquele dia, mas foram em torno de duas dúzias. Os condenados eram criminosos conhecidos, contratados como mercenários, prática comum entre os castilhistas (e, em menor medida, também pelos maragatos).

Uma visita ao diário de Joca Tavares dá detalhes sobre esse dia. Embora representasse um dos lados e, portanto, fosse naturalmente parcial, o diário do general é minucioso e detalhista e não deixa dúvidas quanto aos eventos daquele dia. Além disso, pesquisas feitas pelo grande historiador Alfredo Ferreira Rodrigues (por acaso, meu bisavô) indicam também que aconteceram pouco mais de 20 degolas.

Por outro lado, não resta dúvida sobre a ação criminosa do Cel. Firmino de Paula no Boi Preto, em abril de 94. Surpreendidos enquanto churrasqueavam, cerca de 280 maragatos foram degolados, a título de "vingança". Muitos foram mutilados, castrados e torturados antes de lhes passaram a faca no pescoço.

Essa é uma parte da história do Rio Grande que tenta-se esquecer. Mas só conseguiremos nos livrar de nossos fantasmas quando os encararmos de frente. A Revolução Federalista, que completa 120 anos, merece ser revisitada. A história, como sempre, foi escrita pelos vencedores. Mas ela não está completa.

Abaixo, segue um trecho de um romance ("Até que a morte nos liberte", ainda não publicado) que tem como pano de fundo a Revolução Federalista. Neste excerto lanço um olhar sobre aquele dia. Não de um estatístico, mas de alguém que tenta enxergar o lado humano daqueles homens.

...................

        Ficaram abraçados por um tempo sem dizer nada, embora tivesse muito a ser dito. A sintonia deles era tamanha que as palavras se tornavam desnecessárias. Cassiano enxugou as lágrimas e beijou a testa do irmão, que lhe sorriu. Levantou-se, colocou seu chapéu e sorriu de volta para Camilo, que lhe disse:

- Gracias, mano! – Seus olhos haviam recuperado o brilho e o rosto se lhe iluminara novamente. Cassiano assentiu com a cabeça e saiu da barraca. Queria guardar aquela imagem do irmão. Andou alguns metros e quando ouviu o tiro sentiu um estremecimento, mas não olhou para trás e continuou caminhando sem saber para onde. Quando deu por si estava em meio aos cavalos. Um homem puxou-o pelo braço, tirando-o de uma letargia profunda.

- Capitão? Capitão? O senhor está bem?

Cassiano mirou o homem com o olhar vazio e sem expressão. Ouvia as palavras mas não as compreendia, como se aquele homem falasse de muito longe.

- Capitão Guerra? O senhor pode me acompanhar?

A menção da palavra guerra foi como um estalo e repentinamente Cassiano despertou daquele transe.

- Que foi homem? – respondeu abruptamente.

- Tem um prisioneiro que diz que lhe conhece! – explicou Manoel Preto, que só agora Cassiano reconhecia. - E que o senhor vai interceder por ele! – completou.

Saíram em direção ao ponto onde estavam os prisioneiros. Os oficiais de alta patente seriam usados como moeda de troca. Outros tantos seriam libertados a revelia do comando. Mas um grupo havia sido condenado à morte. Eram criminosos e entre eles estava o homem que dizia conhecer Cassiano. Quando chegaram a um cercado onde eram mantidos, Manoel apontou para um dos condenados: era Inácio. Contra ele pesavam as acusações de estupro e assassinato, que eram de conhecimento geral. Além disso, era acusado de enforcar um simpatizante federalista na frente dos filhos e depois queimar a casa com toda a família dentro. Em qualquer outra circunstância Cassiano já não intercederia por ele. Naquele dia então queria passar-lhe a faca pessoalmente.

- Ele diz que é um seu parente... – falou Manoel Preto.

Cassiano encarou Inácio, que estava com as mãos atadas às costas e lhe olhava com a arrogância de sempre, certo que o primo lhe libertaria.

- Nunca vi na vida! – disse Cassiano, virando as costas em seguida. Enquanto se afastava ainda pode ouvir gritos de súplica e logo em seguida o silêncio. Tinha a impressão de estar fora de seu corpo. Algo mudara definitivamente nele e parecia agora não se importar com mais nada. Queria correr para a barraca, limpar e abraçar Camilo, mas não tinha coragem. Sentou-se à beira de um lagoão próximo e chorou pela última vez na vida.

Na manhã seguinte, enquanto colocava o corpo do irmão em uma carroça, as pessoas o olhavam com assombro. Alguns com admiração, outros com compaixão, desprezo ou até mesmo receio. Mas todos com um certo ar de tristeza pelo que ele havia passado e também por eles mesmos. Os acontecimentos dos últimos dias representavam uma fronteira da qual não poderiam mais retornar. O governo usaria aquela batalha como pretexto para uma guerra total contra os rebeldes, não poupando nada nem ninguém. Diriam muitas mentiras sobre aquele episódio mas, ainda assim, duas dúzias de homens foram mortos como animais e aquilo ressoaria para sempre na história do Rio Grande. Aqueles seriam tempos para ser esquecidos e todos ali sabiam disso.


Nenhum comentário:

Postar um comentário