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terça-feira, 25 de junho de 2013

Álbum dos Bandoleiros" ganha edição digital


Álbum dos Bandoleiros" ganha edição digital

Publicação editada por opositores do borgismo retrata o levante rio-grandense de 1923

"Álbum dos Bandoleiros" ganha edição digital Reprodução/Divulgação
Reprodução de página do “Álbum dos Bandoleiros” exalta líderes da oposição ao governo, como Honório Lemes, Zeca Netto, José Menna Barreto e Estácio AzambujaFoto: Reprodução / Divulgação
Alice Dubina Trusz*
Revolução de 1923 foi um conflito armado decorrente do acirramento da crise política e da disputa de poder entre a oligarquia gaúcha. Ela foi desencadeada pela vitória suspeita de Borges de Medeiros no pleito de 1922, quando ele foi reeleito para o seu quinto mandato no governo estadual. O movimento, estruturado na reunião das oposições (federalistas, liberais e republicanos dissidentes) em torno da liderança de Assis Brasil, foi uma reação de contestação à hegemonia, ao continuísmo e ao autoritarismo do castilhismo-borgismo no poder estadual (e municipal).
A guerra civil foi encerrada após a intervenção do governo federal, que enviou ao Estado o ministro da guerra, General Setembrino de Carvalho, para intermediar a paz. O Pacto de Pedras Altas, que a selou, foi assinado em meados de dezembro de 1923. Alguns dias depois, foi exibido no cinema Coliseu, em Porto Alegre, com exclusividade, um filme documental intitulado A Revolução de 1923, realizado por Benjamin Camozato. Na imprensa, a obra foi destacada como o "único filme autêntico e imparcial da revolução".
No início de janeiro de 1924, outra iniciativa, desta vez de natureza fotográfica, multiplicaria as possibilidades de apreensão visual do episódio pelo público. Tratava-se do lançamento do Álbum dos Bandoleiros– Revolução Sul-Rio-Grandense, 1923. Ambas as manifestações demonstram a importância da produção de documentos sobre o conflito naquele contexto de pacificação, mas ainda de embate ideológico e incertezas sobre o futuro.
Diferentemente do filme, dito imparcial, o Álbum foi produzido com clara tomada de posição política pela oposição que combateu a permanência de Borges no poder. Publicado por Fernando Barreto e Carlos Horácio Araújo, ele seria reeditado no final de abril do mesmo ano, com tiragem de 20 mil exemplares, o que indica o sucesso da iniciativa e o interesse do público pelo produto. A reedição, ampliada, incluía novos registros fotográficos e textos, inclusive documentando eventos realizados entre janeiro e abril.
O Álbum dos Bandoleiros é um álbum fotográfico impresso, um produto tipográfico, diferente dos antigos e tradicionais álbuns fotográficos, com capa de couro e páginas acartonadas. Embora contenha textos, é basicamente composto por reproduções fotográficas legendadas. Nele, predominam os retratos, representando os indivíduos e sua adesão à causa política que deflagrou a luta. São homenageados vivos e mortos, bem como os ocupados em socorrer as vítimas. Há retratos individuais e de grupos, produzidos ao ar livre, em estúdio ou outros espaços fechados. Também são numerosos os registros de grupos em manobras militares ou acampados, em regiões rurais, sendo comum a companhia do cavalo. Proliferam as imagens de mortos, túmulos e sepultamentos. Mais numerosos são os retratos de médicos, enfermeiras e respectivos pacientes, em tratamento nas dependências da Cruz Vermelha. Em menor volume, constam as imagens relacionadas à imprensa, valorizada pelo posicionamento político de determinadas folhas e seus jornalistas em favor da oposição. Também merecem atenção os eventos cotidianos, as manobras militares e ocupações de cidades, bem como os acontecimentos extraordinários, referentes à pacificação e solenidades afins.
Embora tenha tido a sua produção vinculada a um acontecimento, a Revolução de 1923, o Álbum dos Bandoleiros não foi um álbum comemorativo. Não se reportava a um passado remoto, mas a um episódio recente, uma experiência ainda presente e envolta em expectativas. Findo o conflito e as agressões físicas e verbais pela assinatura do tratado de paz, urgia afirmar uma imagem do movimento, e principalmente dos envolvidos nas lutas pelo lado de Assis Brasil, diferente daquela propagada a seu respeito pelos partidários de Borges de Medeiros.
A publicação foi organizada pelos "revolucionários" ou "libertadores" com a finalidade de afirmar a sua identidade e demonstrar a legitimidade dos seus ideais políticos entre os contemporâneos, envolvidos diretos e/ou simpatizantes da causa. Era preciso esclarecer quem eram, afinal, os "bandoleiros", atributo com que haviam sido identificados por A Federação, a folha oficial do partido (PRR) e do governo. Por meio do uso exaustivo de termos depreciativos, este jornal procurou construir um discurso negativo e de aversão aos grupos opositores a Borges, propagando a ideia de que eles eram incapazes de governar, inidôneos e ilegítimos, criminosos e desordeiros sem qualquer ideal político.
Tais aspectos demonstram que a guerra também foi verbal, escrita, ocupando jornais de ambas as tendências em conflito. A imprensa, assumida como meio de ação política, concentrou importante papel na divulgação e defesa das ideias e notícias acerca dos contendores, mas também foi canal de afirmação e difamação de reputações. O meio escolhido pela oposição como o mais eficaz para responder aos insultos foi o álbum fotográfico. A opção correspondia à percepção da época sobre a fotografia, considerada registro objetivo e fidedigno da realidade, devido à sua natureza técnica e caráter indiciário.
Conhecendo a importância das imagens como produtoras de sentidos, cujas funções legitimadoras, reguladoras, propulsoras e pedagógicas são indispensáveis na organização e na reprodução da vida social, os editores do Álbum dos Bandoleiros procuraram, com a sua publicação, intervir sobre o imaginário da Revolução, em formação, de forma impositiva e positiva. A partir das imagens nele reunidas, percebidas como provas, documentos, eles buscaram fundamentar a construção de outra imagem de si próprios, valorativa, capaz de retirar do termo "bandoleiros" o seu caráter ordinário e difamatório, legando às futuras gerações orgulho e não vergonha.
O álbum deveria servir de lembrança para os envolvidos na luta, assinalando, simultaneamente, que os meses de batalhas físicas e verbais não haviam sido em vão, não podiam ser esquecidos e nem tampouco deviam entrar para a história como mera arruaça de bandidos. A própria intervenção do governo federal na pacificação, tema de muitas imagens, já dava conta da importância do episódio e do equilíbrio das forças em confronto, igualmente merecedoras de respeito. O Álbum dos Bandoleiros seria o seu testemunho, devendo a legitimidade de uma memória, entre outras, da Revolução de 1923, e, também, o seu monumento, legando-a à posteridade.
  
Revolução de 1923 em foco
Neste sábado (25), no Museu de Comunição Hipólito José da Costa (Andradas, 959), será lançada a versão digital do "Álbum dos Bandoleiros". A abertura do evento será às 15h. Às 15h30min, será exibido o filme em preto e branco A Revolução de 1923, de Benjamin Camozato, com execução ao vivo da trilha composta para o documentário. Às 16h20min, um painel sobre a Revolução de 1923 reúne os pesquisadores Péricles Gomide, Mirian R. M. Ritzel e Alice Dubina Trusz. Mediação de Elizabeth Rochadel Torresini. A entrada é franca
 
 
*Historiadora, Doutora em História pela UFRGS.
SEGUNDO CADERNO

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