No tempo da “degola”: a cabeça do caudilho Gumercindo Saraiva

Atualizado em: 12/11/2011 - 09:14
 
O caudilho maragato Gumercindo Saraiva.
Hóspede do saudoso amigo Barbosa Lessa, na Reserva da Água Grande, interior de Camaquã (RS), dele ouvi: “Quando v. for visitar o Mozart Pereira Soares, em Palmeira das Missões, peça a ele para lhe contar o episódio da “Degola do Boi Preto”, em 5 de abril de 1894. Não me esqueci da recomendação. Nos anos 80-90, por três vezes, estive com Mozart, tido como um dos homens mais cultos do Rio Grande do Sul. Contou-me que seu avô materno, além de dois tios, participou de tropas pica-paus (chimango) do coronel Firmino de Paula, que na “Degola do Boi Preto” vingaram a “Degola da Mangueira de Pedra”, nos arredores de Bagé, hoje, pertencente à Ilha Negra (em que foram degolados 410 pica-paus, seguidores de Júlio de Castilho, em 23 de novembro de 1893). Os números não conferem com os relatos, por exemplo, do maragato general Joca Tavares, que dizia que degolados mesmo, em Bagé, foram 23... “pica-paus”.
Sugiro ao leitor menos informado que leia sobre a Revolução Federalista de l893 para que saiba, em síntese, do que falo. Não tenho espaço aqui para tratar mais longamente do assunto.
A grande verdade é que as facas de Adão de La Torre, maragato, e de Xerengue, pica-pau, funcionaram. Em cada uma dessas célebres degolas, o número de sacrificados não baixou de 350. Lembro-me de Mozart, dando verdadeira aula sob o “Pinheiro do Tôco” e apontando para longe, no rumo do local da “Degola do Boi Preto”, a pouco menos de 10 km dali.
Dele recebi outra recomendação: “Quando você for a Santiago do Boqueirão dê um pulo ao Carovi e veja onde foi enterrado o Gumercindo Saraiva. Depois de dois dias, arrancaram-lhe a cabeça e levaram um pedaço a Júlio de Castilho. Passei pelo Carovi, de ônibus, mas não pude atender o pedido de Mozart. Mas no túmulo de Gumercindo Saraiva, em Santa Vitória de Palmar (RS), já estive por duas vezes. A mais recente, agora em 2011, há dois meses. Foi enterrado sem a cabeça. Um velho relato de Múcio Teixeira, em livro muito antigo, só agora me chegou às mãos, graças ao advogado Geonir Vincensi, que achou “Os Gaúchos”, esse livro dos anos 20, num sebo virtual, e me deu uma cópia. O relato é patético. Múcio Teixeira não ouviu dizer, simplesmente testemunhou a entrega da “mandíbula” de Gumercindo Saraiva ao governador Júlio de Castilhos. Seu relato fala por si só.
Leiamos Múcio Teixeira:
“Eu estava no palácio presidencial de Porto Alegre, a palestrar com Júlio e o ministro da guerra, general Moura, quando chegou o major da artilharia Timotheo de Faria Corrêa, com aquela infernal incumbência. Desenrolou aos nossos olhos um embrulho de jornal, dentro do qual havia um pequeno saco de algodão que descoseu, tirando de dentro os pedaços de carne com o bigode e a parte da barba de Gumercindo.
Júlio recusou-se a receber aquilo, e o general Moura, repreendendo severamente o feroz oficial, ordenou-lhe que se recolhesse preso ao estado-maior. O major quis explicar a sua intenção, mas o ministro da guerra mandou-o retirar-se imediatamente, saindo de nossa presença o emissário infernal, mas ficando a atmosfera da sala impregnada do mau cheiro, que tanto exalava aquele fragmento do cadáver como o caráter do seu dono...
Quando Gumercindo abandonou a campanha no rumo de cima da Serra, com direção a Lages, correu em Porto Alegre o boato de que ele entraria na capital, o que apavorou a população. Fiz, então, a seguinte poesia, que publiquei numa das folhas diárias, com o intuito de tranquilizar o espírito público, pois não iria eu expor-me espontaneamente ao furor do caudilho, si acreditasse que ousaria penetrar na principal artéria do Estado:
A Gumercindo Saraiva
Aonde vais, bandoleiro? Que procuras
Fugindo espavorido das cidades?
Num cavalo de crinas tão escuras
Pareces a visão das tempestades!...
Aonde vais, bandoleiro? Que procuras?”
*
Quando ainda não se falava em guerra de guerrilha, Gumercindo Saraiva já era um mestre. Fez 3 mil quilômetros a cavalo (Rio Grande do Sul, Santa  Catarina e Paraná) e foi morto em 10 de agosto de 1894, à traição, no Carovi. Sua vida, repleta de atos de bravura como de crueldade está cheia de exageros e lendas. Sua biografia definitiva não foi ainda escrita. Há até os que duvidam que seu corpo esteja enterrado em Santa Vitória do Palmar para onde foi transladado bem mais tarde.
Compartilhar esta notícia