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segunda-feira, 15 de outubro de 2012

A DEGOLA DO BOI PRETO

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Opinião

16-09-2012 | 09h33min

Artigo

A degola do Boi Preto

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Por: Sérgio Cruz Lima, colaborador
Em artigo anterior, analisei a degola do Rio Negro, ocorrida em novembro de 1893, na qual cerca de 300 pica-paus foram degolados pelo tenente-coronel maragato Adão Latorre, uruguaio do Departamento de Cerro Largo e ex-capataz dos Tavares, no transcurso da sangrenta Revolução de 1893. Neste domingo (16), falo sobre a vingança dos pica-paus: a degola do Boi Preto.

Nos primeiros dias de março de 1894, o coronel federalista Ubaldino Machado deixa o estado do Paraná, reúne os correligionários da Vila da Palmeira, arma-os, e prepara-se para combater os castilhistas. Com uma força de 500 homens em armas, marcha sobre Santo Ângelo. Ao aproximar-se da cidade, um contingente pica-pau de 300 homens fortemente armados tenta impedir-lhe o avanço. Dá-se o combate. Ubaldino derrota o inimigo, que perde 40 homens, além de muitos feridos. O coronel maragato se apossa da cidade. No fim do mês, Ubaldino deixa Santo Ângelo e ocupa novamente a Vila da Palmeira. O grosso da sua brigada acampa no Capão do Boi Preto, a umas três léguas da vila.

Nesse ínterim, o general Francisco Rodrigues Lima deixa Passo Fundo, alcança Nonoai e ordena ao coronel pica-pau Fermino de Paiva, chefe da Quinta Brigada da Divisão do Norte, para que ataque a Vila da Palmeira. Nas imediações do Boi Preto, onde se acha acantonada parte da brigada do coronel Ubaldino Machado, o coronel pica-pau surpreende e aprisiona um piquete maragato que se encontrava de vigia. Por ordem de Fermino, que já praticara diversas atrocidades, com violências desmensuradas e crimes hediondos e desnecessários, todos são degolados, salvo um soldado, sob a promessa de revelar o local do acampamento federalista.

Em 5 de abril, ainda madrugada, o acantonamento do Boi Preto é sitiado. Os soldados são apanhados de surpresa e poucos deles hão de escapar com vida. O tenente-coronel João Gabriel, de Santo Ângelo, e alguns bravos companheiros lutam desesperados e morrem lutando para não serem aprisionados, pois conhecem a fama de Fermino de Paiva e sabem que, se aprisionados, perderão a vida sob a faca do algoz.

O coronel Ubaldino não se encontrava no acampamento por ocasião do ataque. Na madrugada anterior ao ataque pica-pau saíra para testar um cavalo em uma cancha perto da vila. Isso salvara-lhe a vida. Mas, se lá estivesse, por certo morreria peleando ao lado de João Gabriel e seus bravos, uma porque era homem de reconhecida e manifesta coragem, outra porque não entregaria o pescoço à faca dos degoladores da Quinta Brigada da Divisão do Norte.

No ataque do Boi Preto foram presos e degolados 370 maragatos. Trinta no próprio local do ataque, 140 na localidade de Olhos d'Água e cem em Porteira. Entre os degolados encontra-se Arthur Beck, primo-irmão do coronel Fermino de Paiva, que, conforme Wenceslau Escobar, "fora o salvador de seu filho e seu enfermeiro em Santa Maria". No cerco do Boi Preto não morreu um único pica-pau. O que houve foi simples degola sanguinária e uma maldade inominável.

Muitas vezes, a degola era praticada em meio a humilhações e zombarias. Embora, não frequentemente, poderia ser antecedida por castração. Os ressentimentos acumulados, as desavenças pessoais, tudo aditado ao caráter rude do homem da campanha acostumado a sacrificar o gado, tentam explicar os atos de selvageria praticados. Do ponto de vista militar-logístico, ela decorria da incapacidade das forças em combate de fazer prisioneiros, mantê-los encarcerados e até alimentá-los, pois, tanto os pica-paus quanto os maragatos lutavam em situação de grande penúria. Procurava-se, de outra feita, poupar munição empregando um meio horripilante, mas rápido de execução.

Atos como o do Boi Preto, praticados pelas forças castilhistas, e a não menos sanguinária degola do Rio Negro, levada a cabo pelos maragatos, e que analisei em artigo anterior, como disse, "descaracterizam a Revolução de 1893 de um sentido cívico e patriótico para levá-la para o terreno da vendetta entre os chefes das duas facções em luta nas coxilhas do Rio Grande".
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2 comentários:

  1. Prezado, o coronel responsável pelas degolas em Boi Preto foi Firmino de Paula e Silva, e não Fermino de Paiva.

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  2. Parabéns pelo artigo, preservada a narrativa, mantém o registro histórico deste épico momento da história Riograndense, e ainda, que para alguns seja de atrocidade e vergonha, mesmo assim, demonstra, no contexto do tempo o valor, a bravura, a coragem e o orgulho do povo gaúcho. Gostei muito da leitura.

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