sábado, 13 de agosto de 2011
O CERCO DE BAGÉ DURANTE A REVOLUÇÃO FEDERALISTA
Durante a Revolução Federalista,
desencadeada no Rio Grande do Sul em oposição ao governo de Floriano
Peixoto, a cidade de Bagé resistiu ao cerco das forças federalistas
durante 47 dias, em um dos mais notáveis episódios da História Militar
brasileira.
Entre novembro de 1893 e janeiro
de 1894, os republicanos, comandados pelo coronel Carlos Maria Silva
Telles, buscaram abrigo na Catedral São Sebastião. Os antigos moradores
de Bagé presenciaram de camarote um dos muitos episódios sangrentos que
tornaram a Revolução Federalista. uma das mais violentas da história do
Rio Grande do Sul e do Brasil.
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Bagé
era um objetivo importante, pois uma das maiores cidades do Estado,
sediava uma importante guarnição militar, tinha ligação por trem com Rio
Grande e situava-se em posição estratégica em relação à Campanha e à
fronteira. Além disso, era a terra dos Tavares e de Silveira Martins,
principais lideranças maragatas, que faziam de Bagé um dos centros da
conspiração e sede do Partido Federalista, uma das frentes de oposição à
Júlio de Castilhos.
Natural, portanto, que, ao
primeiro refluxo dos rebeldes, os republicanos tratassem de assegurar o
controle da cidade. Natural, também, que fosse Bagé o primeiro alvo do
general Joca Tavares em seu retorno ao Brasil, depois de refazer suas
forças em território uruguaio. Ele retorna em novembro de 1893, à
frente de quase três mil combatentes e ataca em duas frentes. De um
lado, Zeca Tavares, seu irmão, toma a estação ferroviária de Rio Negro, a
20 quilômetros da cidade, guarnecida por 500 soldados comandados pelo
general Isidoro Fernandes. A outra frente cerca a cidade. Desde o dia
24 de novembro era possível avistar os piquetes de lanceiros
federalistas da cidade, defendida por pouco mais de mil combatentes, sob
as ordens do coronel Carlos Maria da Silva Telles. A população, pouco
mais de 20 mil moradores, foge da cidade levando o que é possível.
General Joca Tavares, em fotografia tirada durante a Guerra do Paraguai
O coronel Telles se prepara para o pior: requisita a comida disponível no comércio, manda construir trincheiras ao redor da praça e concentra ali a resistência. Nas bocas de rua, arma barreiras com fardos de lã, terra, pedras e paus.
Durante quase um mês, os
federalistas mantêm o cerco à distância e depois apertam. Ocupam
chácaras do subúrbio e entram na cidade. Tomam o Teatro 28 de setembro, a
Beneficência Italiana, o Mercado Público, os quartéis, a Rua Barão do
Rio Branco e a Enfermaria Militar. Em poucos dias toda a cidade é
dominada, menos a Praça da Matriz.
Telles dispunha de batalhão e um
regimento de Artilharia, uma companhia de engenheiros, um batalhão da
Brigada Militar e um corpo de transporte, comandado por Bento Gonçalves
da Silva Filho (filho do líder farroupilha).
Tropas do coronel Telles entrincheiradas diante da igreja matriz
Tinha também dois corpos provisórios, gente da Guarda Aduaneira e, a partir do momento em que apertou o cerco, um “batalhão republicano”, com voluntários civis. O coronel tem ordens expressas de Floriano Peixoto para resistir até o fim.
Corre na cidade sitiada uma
notícia apavorante: as forças de Isidoro Fernandes haviam sido
massacradas no Rio Negro, com mais de trezentos prisioneiros degolados.
Começa a faltar comida, há deserções, as fugas se dão pela zona sul da
praça, onde era mais fácil chegar ao cemitério que ficava a 600 metros.
Joca Tavares ordena que o cerco se feche num “cinturão de ferro e fogo”.
Quando o sítio completa um mês, Joca Tavares manda propor ao coronel
Telles que se entregue sob garantias. O coronel responde: “Vocês é quem devem depor as armas, porque estão fora da lei. Garanto a todos a anistia ampla!”.
O natal foi terrível. Atordoada,
Bagé enterrava mortos civis atingidos por balas perdidas, chorava as
vítimas de violências, saques, incêndios e arrombamentos. Já não havia
sequer figos crus e caruru para cozinhar na água e sal. A farinha e as
últimas bolachas estavam reservadas para os feridos amontoados na nave
central da igreja.
Para aliviar a fome, já se
matavam gatos e cães, e o próprio comandante da resistência manda matar
seu cavalo para alimentar a tropa. Fome, sede e doenças substituíram a
famosa degola na tarefa de abater o inimigo. Quando a situação parecia
insuportável, chegam informações de que duas divisões do Exército se
aproximam para socorrer Bagé. Com a aproximação dos reforços solicitados
pelas tropas legalistas, em cinco de janeiro de 1894, Joca Tavares
resolveu promover o ataque final. Derrubando muros e perfurando paredes,
os maragatos avançaram. Informado da ação, o coronel Carlos Telles
antecipou a defesa, colocando abaixo paredes de dois prédios que ainda
não haviam sido alcançados pelos rebeldes. O tiroteio foi intenso até
que os legalistas dispararam os canhões e uma descarga de granadas
contra a linha federalista.
Na noite de sete de janeiro,
começa a ser desfeito o cerco, e os federalistas seguem desolados para
Santana do Livramento. Antes de o dia raiar, um vulto se aproxima das
trincheiras, solitário, e diz aos cansados e famintos soldados: “Bom
dia! os revolucionários deixaram a cidade”. Eles haviam resistido 47
dias de cerco. Telles envia um telegrama ao ministro da Guerra: “Tivemos o desprazer de vê-los em debandada e mal montados, sem terem tentado o ataque decisivo pelo qual tanto ansiávamos...”. No seu boletim, registrou 34 mortos (quatro oficiais) e 91 feridos.
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Quem sou eu?
- Carlos Daróz
- Recife, Pernambuco - História, sol e mar, Brazil
- Historiador, professor e pesquisador. Especialista em História Militar, Mestre em Operações Militares e sócio do Instituto de Geografia e História Militar do Brasil (IGHMB). Meu currículo: http://lattes.cnpq.br/6263305850710284
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