Total de visualizações de página

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

APARICIO SARAIVA E SESU SEGUIDORES

APARÍCIO SARAIVA, HONÓRIO LEMES E SEUS SEGUIDORES: UM ENSAIO COMPARATISTA
                                                                                                                                             
    DAL FORNO, Rodrigo[1]
DOBKE, Pablo[2]


Introdução.
O presente artigo é resultado preliminar de uma pesquisa em andamento do trabalho de conclusão de curso do Bacharelado em História da Universidade Federal de Pelotas, que vem sendo realizada pelos dois autores sob a orientação da Prof.ª Dra. Elisabete Leal. Estuda-se a Revolução 1923 no Rio Grande do Sul, especificamente a trajetória de duas lideranças revolucionárias: Leonel Rocha e sua atuação no norte do estado e Honório Lemes na fronteira oeste, assim como todos aqueles indivíduos que se arregimentaram em torno destes dois caudilhos. Ao passo que analisamos estas lideranças e todos aqueles que passaram a seguir tais comandantes, nos deparamos com um estrato social especifico aderindo á guerra civil de 1923, considerada pela historiografia oficial como uma luta ocorrida devido à cisão entre as elites políticas do estado, condicionadas pela instabilidade econômica do setor pecuário durante a conjuntura do início dos anos de 1920, como indica Antonnaci (1981). Juntamente a isto, através de outras leituras historiográficas, nos deparamos com a realidade de outro contexto especifico, que nos pode servir como parâmetro de comparação para pensar nosso próprio objeto de pesquisa: Aparício Saraiva, seus arregimentados na Revolução Uruguaia de 1904.
A Revolução de 1923 ocorrida no Rio Grande do Sul instaurou no estado um período turbulento de guerra civil, envolvendo de um lado a aliança entre federalistas, republicanos dissidentes e liberais democratas aglutinados em torno da liderança de Assis Brasil e de outro lado, os republicanos hegemônicos no poder estadual, encabeçado pelo chefe do Partido Republicano Rio-Grandense e presidente do estado Borges de Medeiros. As hostes opositoras convulsionaram o estado através da atuação em movimento de guerrilhas realizadas por diversos caudilhos no interior do estado, aqui destacamos a figura do Honório Lemes e sua atuação junto a fronteira oeste, juntamente com uma série de peões, tropeiros e campeiros arregimentados em torno deste caudilho de enorme prestigio local.
A Revolução de 1904, ocorrida na nação vizinha uruguaia, pôs em conflito os históricos grupos antagônicos conhecidos como colorados e blancos. Os primeiros reunidos através da liderança do Presidente do Uruguai, José Batlle y Ordóñez. E os últimos, lançados em uma campanha revolucionária frente ao poder situacionista, os membros do Partido Nacional, nos quais destacamos a figura de Aparício Saraiva e aqueles que se arregimentaram em torno deste caudilho nos distritos do norte do Uruguai, onde este possuía enorme prestigio e comandância junto a paisanos, homens acostumados à lida do campo e seguidores fieis desta liderança.
Cabe ressaltar, que não temos como objetivo comparar a situação política vigente no período, o chamado Batllismo e o Castilhismo-Borgismo[3], ou as revoluções em si, em que Uruguai e Rio Grande do Sul se envolveram em ambas as conjunturas. No entanto, o que nos interessa neste texto é realizar, a partir de uma revisão bibliográfica, uma tentativa de análise dos grupos oposicionistas que compuseram estes movimentos revolucionários e especificamente as lideranças de Honório Lemes, Aparício Saraiva e seus arregimentados.
Para refletir sobre estes dois contextos específicos, nos amparamos em alguns estudos em história comparada que nos permitem pensar de forma analítica ambos os grupos e caudilhos. Por último ao analisarmos estes dois grupos marginalizados perante um conflito junto ao poder legalista, utilizamos os conceito de banditismo social de Eric Hobsbawm (2010) e de estabelecidos e outsiders de Norbert Elias (2000).


A Revolução de 1904 e Aparício Saraiva.
Conhecida como a última guerra civil em solo uruguaio, a Revolução de 1904 teve início devido a quebra do Pacto de La Cruz pelo então presidente uruguaio, o colorado José Batlle y Ordóñez, que ao tomar essa atitude colocava em cheque o acordo feito ao fim do conflito de 1897, onde o Partido Colorado havia firmado compromisso de igualar as cadeiras parlamentares no governo até então presidido pelo também colorado Juan Idiarte Borda. Mais uma vez, assim como em 1897, Aparício viu-se obrigado a se por em armas e organizar um levante bélico contra a política opressora de Batlle que detinha maioria na câmara parlamentar e desejava eliminar por completo as aspirações dos blancos do Partido Nacional. Desta forma, o presidente Batlle, organiza uma ofensiva contra os departamentos onde o Partido Nacional obtivera senadoria nas eleições de 1900 – Rocha, Treinta y Tres, Rio Negro, Flores e Rivera – objetivando assim a eliminação completa dos Blancos no governo do antes democrático e de livre sufrágio presidido pelos colorados.
Neste contexto ressurge a liderança de Aparício Saraiva, motivado pela intransigência do presidente Batlle, que visionava reconquistar os departamentos blancos, terminando assim, com as contemplações do Partido Nacional, uma óbvia alusão bélica e não eleitoral. (UMPIÉRREZ, 2007, p.16). Desta maneira, já ao fim do ano de 1903, o presidente uruguaio esforça-se para armar e reorganizar o seu exército, intencionando assim uma ofensiva aos ditos departamentos. Contudo, Saraiva foi muito contundente na continuação dos tratados de paz, evitando qualquer embate com as forças governistas era essencial neste momento, porém suas forças foram atacadas, em 4 de janeiro, pelas tropas governistas em três lugares distintos – Paso Catalayud de Flores, Paso de Sosa del Aiguá e San José. (UMPIÉRREZ, 2007, p. 20).
Assim, começavam as perseguições dos colorados, todas elas com um único intuito: a interceptação das tropas que posteriormente iriam juntar-se a já organizada milícia saraivista. Desta maneira foram planejados ataques sistemáticos, o colorado Pablo Galarza atacaria Flores, Guillermo Ruprecht saindo de Maldonado tomaria Rocha, Estanislao Mendoza avançaria sob Rivera, pondo assim em cheque a liderança governamental do Partido Nacional. Porém, o esforço colorado de atacar as forças rebeldes não surtiu o efeito desejado, visto que, os caudilhetes blancos enganaram as tropas legalistas e o que antes eram cerca de 200 homens ao mando de Aparício, neste momento chegava aos 2.000 e com este efetivo, no mesmo dia 4 de janeiro, na localidade conhecida como Sierra de Carapé se deu o primeiro embate entre governistas e rebeldes.
O grupo situacionista, que almejava implantar o seu regime de governo reformista voltado às classes sociais emergentes, industriais e urbanas, via o Partido Nacional e sua oligarquia pecuarista tradicional como um verdadeiro embaraço para seus planos, semelhante à representação adotada por Raymond Williams no clássico Campo e Cidade (WILLIAMS, P. 11, 1989), onde o Partido Colorado representava a cidade como evoluída e modernizada, enquanto o Partido Nacional ficaria com o campo, tido como atrasado política e socialmente, tendo como base a antiga elite caudilhesca.
Pode-se considerar que o período presidido por José Batlle y Ordóñez (1903-1907 e 1911-1915) tenha trazido posteriormente um grande avanço nos setores político, econômico e social, contudo, é inegável o forte rigor com que o então presidente Batlle combateu seus opositores, pois se a guerra civil era inevitável, Batlle tratou de restringir todo e qualquer tipo de opinião. Seguindo a esta ditadura, o dia 7 de janeiro ficou marcado como o dia de censura da imprensa, quando a mando do presidente foram empastelados diversos jornais, tanto da capital como do interior, ficando vedado assim qualquer tipo de informação acerca da guerra civil, exceto a informação que provinha da imprensa oficial. (UMPIÉRREZ, 2007, p.20).
Nesta conjuntura de perseguições, proibições e acima de tudo, imposições, que ressurge a figura do caudilho blanco Aparício Saraiva. Porém, a sua participação remonta a Revolución de las Lanzas em 1875, onde os nacionalistas lutavam contra o General Lorenzo Batlle, pai de José Batlle, último adversário de Aparício em 1904.
Aparício nasceu no departamento uruguaio de Cerro Largo, filho de pais brasileiros que exerciam ampla influencia na região devido a grande fortuna que possuíam para a época, contudo, Aparício sempre se destacou pelo forte elo que o unia ao campo e aos homens do campo, motivo este que fazia do General um dos caudilhos mais respeitados e porque não, dos mais queridos entre seus seguidores.  Durante 1904, Aparício se notabilizou por comandar 14 divisões do exército rebelde onde se destacava a División de Lanceros, comandada por Manuel Rivas. A divisão de lanceiros ficou conhecida por protagonizar a ultima carga de lança da história bélica do Uruguai na batalha de Tupambaé, batalha esta narrada por alguns infantes e soldados legalistas da seguinte forma:
“El piso comenzaba a temblar en forma creciente como consecuencia de la cada vez mayor proximidad del repiqueteo de los cascos de los caballos lanzados a toda carrera, hasta semejar un terremoto que hacía vibrar los cuerpos como hojas de papel.” (UMPIÉRREZ, 2007, p.53).[4]
Neste contexto cabe lembrar que as hostes guerrilheiras de Aparício eram quase em sua totalidade formada por paysanos, homens habituados ao rigor do pampa, hábeis ginetes e acima de tudo, fieis ao seu general. Segundo alguns autores, o contingente de Saraiva trazia também uma numerosa legião de índios, fato este que levou estas milícias a receberem a designação popular de “indios de Aparício”. (GONZALEZ; RODRIGUEZ VARESE, 1990, p.43). 
No entanto, apesar de pertencer a uma posição social privilegiada, Aparício ganhou reconhecimento não por sua fortuna ou pelo aspecto mandatário do caudilho tradicional, e sim por conhecer as necessidades de uma melhor estrutura política para o homem do campo, que definhava pela campanha uruguaia sem a mínima perspectiva de que o governo da capital viesse a solucionar seus problemas, além de marginalizado por simbolizar o atraso pastoril em contraponto ao progressismo colorado, esse homem não teve outra escolha a não ser a luta armada comandada por Aparício contra a tirania batllista.
O grupo blanco almejava a solução dos problemas da economia pastoril a qual envolvia uma série de fatores e um grandioso caudal humano, seja ele de patrões ou peões. A sublevação ocorreu quando Batlle quebrou o pacto mencionado anteriormente, ocasionando com isso a forte mobilização do Partido Nacional em todas suas esferas. Após inúmeras batalhas, a decisão de um tratado de paz partiu somente após a queda e morte de Aparício na batalha de Masoller.
Com isso, um triunvirato blanco tomou a decisão de firmar a paz, visto que com a morte de Saraiva, seu exército perdia sentido.  A Paz de Aceguá foi firmada em 24 de setembro de 1904 na cidade fronteiriça de Aceguá, departamento de Cerro Largo. Neste conturbado acordo os revoltosos obtiveram além de anistias, uma vaga promessa de reforma na constituição, algo que só aconteceria em 1918. Porém nem todos comandantes revolucionários se deram por satisfeitos com as propostas deferidas por Batlle que soavam muito mais com uma rendição do que com um acordo.
Desta forma, o Partido Nacional aguardaria por anos a prometida democracia parlamentar, marca registrada da luta de Aparício e do Partido Nacional que desde 1897 vinha lutando constantemente a favor das minorias campesinas, garantias eleitorais nos departamentos e acima de tudo, a transparência administrativa.
Revolução de 1923 e a Coluna de Honório Lemes.
O final dos anos de 1910 e início da década de 1920 trouxeram questionamentos e forte turbulência econômica ao Estado do Rio Grande do Sul, isto devido ao período de instabilidade no mercado e na produção, derivados do período pós 1ª Guerra Mundial e das crises do café no plano nacional. Juntamente com as politicas adotadas pelo governo borgista, que trouxeram uma forte especulação na moeda estrangeira, inflação regional, alta de juros e arrocho de créditos levando a inumeras hipotecas no setor estancieiro (AXT, 2007, p.101). Esta conjuntura amplamente desfavorável levou elites econômicas gaúchas a buscarem novas respostas para a crise junto ao PRR, enquanto este por sua vez, se mostrava incapaz de fornecer soluções (ANTONACCI, 1981, p.112). Isto aliado ao descontentamento político e social frente à hegemonia e opressão exercida pelo chefe do partido, Borges de Medeiros e toda a maquina estatal montada pelo Partido Republicano Rio-Grandense, levou cada vez mais a adesão e união da oposição em torno de Assis Brasil. Neste contexto, dissidentes republicanos descontentes, federalistas rancorosos com a derrota de 1893-1895 e liberais-democratas desejosos por uma nova política estadual, se uniram no apoio á candidatura de Assis Brasil para o pleito eleitoral de 1922.
As eleições para presidente do Rio Grande do Sul em 1922, duramente disputada entre os republicanos representados por Borges de Medeiros e as oposições aliadas em torno da liderança de Assis Brasil, trouxe como consequência uma explosão de violência superior ao normal, devido à realidade pouco comum de presença de uma oposição fortemente organizada com que os republicanos tiveram de lidar no contexto eleitoral. (CORTÉS, 2007, p. 35). A constituição estadual redigida por Júlio de Castilhos, em 1891, colocava a necessidade de que para ser eleito, o candidato ao governo estadual deveria ter três quartos dos votos. Porém, esses números não eram vistos como problema perante a máquina republicana criada pelo patriarca Castilhos que poderia conseguir quantos votos o partido necessitasse, graças ao apoio da ampla rede de relações junto aos coronéis locais nos diversos municípios do estado, que eram cooptados pela maquina partidária do Partido Republicano e possuíam enorme lealdade ao chefe republicano Borges de Medeiros, aqueles que Loiva Otero Félix caracterizou como coronel borgista. (FÉLIX, 1997, p. 68-9).
Joaquim Francisco Assis Brasil juntamente com diversas figuras politicas, caudilhos, peões e pistoleiros, se mobilizava em todo estado, ganhando a adesão e o apoio dos eleitores rio-grandenses, gerando grande desconforto aos borgistas, onde o hegemônico Partido Republicano se via em iminência de perder o pleito eleitoral. Assis Brasil com fortes indícios de vencer as eleições e temendo uma possível fraude, solicitou a Assembleia Estadual uma comissão para analisar e divulgar o resultado final do pleito. Sendo presidida por Getúlio Vargas (na época deputado pelo município de São Borja) na companhia de mais dois republicanos, a comissão realizou o seu devido papel e seguindo a tradição do PRR, declarou Borges de Medeiros como vencedor.
No entanto, a oposição já extremamente mobilizada por todo o estado rio-grandense, alegara que a reeleição havia sido fraudulenta, tentando aí corrigir esse erro a força, trocando as urnas pelas armas. Durante todo o mês de janeiro de 1923 iniciou pelo estado uma rebelião que exigia a retirada de Borges de Medeiros do poder (CORTÉS, 2007, p. 36). Ao longo do ano de 1923, as colunas revolucionárias foram intensificando seus ataques nas diversas regiões do estado. Destaca-se as atuações de Zeca Netto no sul do Estado, vindo a tomar a cidade de Pelotas em outubro daquele ano, de Leonel Rocha, Mena Barreto e Felipe Portinho, mantendo constantemente convulsionado o norte do estado, e de Honório Lemes, comandando as tropas em Rosário do Sul, um dos principais quartéis assisistas, sediando o regimento do Exército Libertador do Oeste.
Assim, os revolucionários mantinham o governo do Estado preocupado com a guerra civil instalada, através da tática militar de guerrilhas, ataques rápidos e fuga para as matas quando necessário. Com esta alteração na ordem do Estado, os assisistas confiavam que o Governo da União interviria na esfera estadual desmontando a classe dominante. (FERREIRA FILHO, 1973, p. 28). A intervenção federal acabou não ocorrendo da forma exata como desejavam os opositores de 1923. Em dezembro de 1923, sob mediação de Setembrino de Carvalho, no Castelo de Pedras Altas, residência de Assis Brasil, foi assinado o Pacto de Pedras Altas, que entre as diretrizes gerais, principalmente proibia a reeleição de Borges de Medeiros para um sexto mandato e previa a eleição direta para vice-presidente do Estado. Com isto, segundo Günter Axt, a Revolução de 1923 havia alterado profundamente a correlação de forças entre partidos e facções e Borges de Medeiros saiu do acontecimento isolado e derrotado (AXT, 2007, p 120.). Embora Borges viesse a seguir como presidente do estado até o final daquele mandato em 1928, as forças políticas e o poder estadual começavam a mudar, como de certa forma desejavam e lutaram os revolucionários durante o ano de 1923.
Dentro desta revolução improvisada, onde não havia um comando central e nem um plano de ação que dirigisse os rebeldes, além da enorme carência recursos bélicos, destacaram-se caudilhos espalhados pelo território gaúcho, através de seu enorme prestigio local e regional, armando seus adeptos e seguidores com armas obsoletas e liderando grande quantidade de indivíduos descontentes com a situação política e social marginalizados em que viviam. Neste processo, destacamos a figura de Honório Lemes.
Honório Lemes, nascido no município de Cachoeira do Sul na localidade conhecida como Barro Vermelho, desde muito cedo conseguiu captar a suma da vida campeira devido às tantas tropeadas que juntamente com seu pai fazia para a Fazenda Nacional de Saicã no município de Rosário do Sul. Foi em uma dessas viagens que com doze anos conheceu o veterano Coronel Maneco Machado, o qual viria a arregimentar-se em 1893 na Revolução Federalista. Porém antes de se juntar à luta de 1893, Honório teve seus primeiros contatos com a política através dos irmãos Francisco e Rafael Cabeda, ambos federalistas ferrenhos e seguidores de Gaspar Silveira Martins. Essas amizades foram de certa forma, a catequese política de Honório Lemes, onde se formaria o ativista inconformado pela situação dos amigos perseguidos, afrontados e até assassinados sob a proteção da lei feita por Júlio Castilhos. (TELLES, 2002, p. 17).
Devido ao contato com políticos, militares, peões e até mesmo outros caudilhos, Honório Lemes acabou reunindo em si o prestigio e as caraterísticas de um verdadeiro líder. O homem rude e iletrado, longe de ser de uma classe dominante acabou por aglutinar todos esses aspectos fundamentais de uma liderança, o que levou seu reconhecimento não pela força ao modo dos grandes coronéis e sim pelo consenso social que seu carisma e senso de justiça produziram em sua época.
Em meio a essa mobilização anti-borgista, encontra-se a cidade de Rosário do Sul, importante município situado às margens do rio Santa Maria, entre as cidades de São Gabriel, Alegrete e Sant’ana do Livramento. Nesta região se destacou a liderança do tropeiro Honório Lemes da Silva. Com forte prestigio popular devido a sua renomada honradez e respeitável atuação na Revolução de 1893, Honório organizou e arregimentou tropeiros, peões, campeiros e ginetes de todos os tipos para compor suas hostes revolucionarias contra a tirania do governo borgista, organizando assim um forte levante na região, que ficou conhecido popularmente como a Coluna Lemes. Toda essa mobilização e adesão popular viria a render-lhe o posto de General do Exército Libertador do Oeste e o apelido de “Tropeiro da Liberdade.” Neste contexto se construiu a imagem de Honório Lemes da Silva, o humilde tropeiro que se tornou referencia, não apenas pelo viés político de sua liderança, importância partidária junto aos federalistas, ou seu carisma perante a população, mas sim pelo valor de seus ideais de democracia e liberdade para com seus pares.

Uma tentativa de comparação
Para pensar os dois grupos em destaque, as milícias de Aparício Saraiva e de Honório Lemes, utilizamos alguns estudos em história comparada que nos permite um embasamento e serve de parâmetro para pensarmos nosso próprio estudo. Tendo em vista que, como expõem Flávio Heinz:
Para um certo número de estudiosos contemporâneos, a história comparada, no sentido de um conjunto claro e ordenado de procedimentos ou, aplicados a determinada situação, permitem auferir resultados concretos, não existe. (HEINZ, 2009, p. 12)
Ainda segundo Heinz, existem alguns autores que se debruçaram sobre a história comparada e a concebem sob diferentes visões. Para Marc Bloch havia um delineamento geral do método que guiariam as escolhas e buscas por causalidades e influencias entre os fenômenos escolhidos. Já para Raymond Grew, a história comparada estaria muito mais vinculada a uma forma de pensar o objeto, do que propriamente um método. Enquanto para Jürgen Kocka, a dimensão subjetiva seria muito maior na história comparada, que segundo ele, responderia a quatro propósitos: heurístico, descritivo, analítico, e paradigmático, através dos quais seria possível responder questões negligenciadas ou ignoradas pela historiografia (HEINZ, 2009, p. 12-13).
Devido a isto, por muito tempo a história comparada foi alvo de poucas pesquisas, e de certa forma segue o sendo, por parte dos historiadores, seja devido à tradição inaugurada no século XIX de objetividade e singularidade dos documentos na construção histórica, que não permitiam comparações, assim como a força dos nacionalismos e o reflexo disto nos recortes escolhidos por pesquisadores (PRADO, 2005, p. 12-13). Ou ainda, devido ao complexo desafio em se fazer história comparada, o que demanda enorme erudição, tendo que se conhecer a história do objeto especifico em questão e a história do objeto que se propõem a comparação. (HEINZ, 2009, p. 11)
É evidente, que existem variadas formas de ver e conceber o modo de fazer comparações. No entanto, não nos interessa aqui uma definição mais precisa daquilo que seria, ou não, a metodologia em história comparada e suas diretrizes estabelecidas, mas sim, situarmos nosso trabalho diante de alguns autores teóricos que nos auxiliaram a pensar nossa perspectiva comparatista ainda em processo de construção. A resposta chave do porque e para que utilizar a história comparada, em nosso entender, reside um pouco na idéia de Rosa Congost, segundo esta, comparamos para compreender e analisar nossa própria realidade em estudo. (CONGOST, 2009, p. 46). Assim, como não se trata apenas de assumir que estamos diante de duas realidades especificas, devemos aprender a compreender cada uma delas (CONGOST, 2009, P. 52). E talvez nestes aspectos resida a grande contribuição em se optar por realizar comparações.
Ao analisarmos tanto os grupos de Aparício Saraiva, quanto o de Honório Lemes, nos deparamos com duas realidades distintas, que possuíram similaridades em seus contextos revolucionários e sociais bastante aproximados, devido aos grupos de determinado estrato social que aderiram as hostes revolucionarias de ambas conjunturas. Embora estas ainda possuam significativas diferenças, é possível coloca-las em uma perspectiva comparada, analisar ambos os grupos e compreender questões até então ignoradas, onde de certa forma, podemos iluminar certos pontos obscurecidos pela historiografia, como é o caso destes grupos marginalizados do poder e tidos como revolucionários:
Mas isto não nos exime de analisar estas decisões, decisões que podem ir muito além das leis, das instituições formais e dos canais de informação institucionalizados – que são mais fáceis de pesquisar – a respeito da vida, da terra, dos recursos, do meio ambiente, das mudanças tecnológicas, quer dizer, em torno das mudanças históricas [...] é necessário partir de uma concepção complexa e dinâmica da sociedade, dos grupos sociais e das relações que dificilmente se alcançara sem uma perspectiva comparada [...] (CONGOST, 2009, p, 55)
Tanto para Honório como Aparício, a relação de contato para com seus comandados era de fundamental importância, visto que em ambas as hostes o fator revolucionário brotava das camadas mais desfavorecidas em questão. A participação de um elevado número de homens do campo nessas contendas nos possibilita um questionamento crucial dentro dessa comparação dentre esses seguidores campesinos: Quem realmente eram esses homens? Para responder essa pergunta não basta apenas analisarmos de forma superficial tais exércitos, dizendo que eram peões, ginetes, campeiros... Devemos considerar acima de tudo as causas que levaram esses homens ao sacrifício de entrar em batalha portando apenas uma lança contra um pelotão de atiradores bem equipados.
A mestiçagem dentro destas milícias também era fator importante, dada às causas de banimento social que negros e índios passaram a sofrer com as políticas de “europeização” da população latino americana em fins do século XIX e inicio do XX. Essas populações acabavam encontrando em ditas revoluções não só uma maneira de sublevar-se frente às injustiças sofridas pela falta de políticas publicas que as integrasse na sociedade, como também uma forma de sobrevivência frente à situação de miséria que a campanha uruguaia e rio-grandense estavam passando nos distintos momentos.
Ainda cabe colocar aqui o modo de como esses dois caudilhos atraíam tamanho número de seguidores. Analisando as situações propostas anteriormente, cabe-nos apenas uma reflexão acerca da arregimentação revolucionária e de como essa paisanada encontrava motivos para seguir tais lideres. Como vimos ambos os caudilhos possuíam grande ligação com seus comandados, um – Honório Lemes - por exatamente pertencer ao estrato social de seus milicianos, fazendo com que a interação partisse voluntariosamente, pois o entendimento de um, supostamente seria o do outro também. No caso de Aparício, essa relação se dava pela importante liderança política que o caudilho detinha frente ao Partido Nacional, destacando aí a luta por melhores condições aos trabalhadores do campo, outro fator de destaque, talvez o principal, seria a ligação direta que Aparício possuía com seus homens, pois apesar de ser um homem relativamente rico, o caudilho lutava ombro a ombro com seus homens.
Sendo assim, a comparação entre ambos caudilhos e suas milícias se torna não só um estudo de mobilização política em torno a uma luta de poder oligárquica, onde os menos favorecidos participavam apenas como mera massa de manobra para as aspirações políticas dos mencionados chefes, trata-se acima de tudo de um estudo acerca da sociedade rural a que pertencia estes dois homens, que permeava suas decisões e acima de tudo, que os seguia em suas ações. Cabe ressaltar também, que estes indivíduos ao aderirem aos contextos revolucionários e se colocarem contra o poder situacionista incorporaram em sua auto-imagem aquilo que o historiador britânico Eric Hobsbawm caracteriza como bandido social:
O banditismo social constitui um fenômeno universal, encontrado em todas as sociedades baseadas na agricultura (inclusive nas economias pastoris) e compostas principalmente de camponeses e trabalhadores sem terra, governados, oprimidos e explorados por alguém: por senhores, cidades, governos (...) (grifo dos autores – HOBSBAWM, 2010; P. 39).
Ainda segundo Hobsbawm, qualquer homem que age contra o Estado se trata de um bandido, não importando a que estrato da sociedade este homem está ligado. Além de atuar na forma de oposição frente a maquina governamental, enquanto “bandido” para os governantes, continua mantendo seus laços arraigados a sua origem, tornando-se assim, uma espécie de “herói” para com seus. Com isto, atuando como heróis sociais, capazes de promover a justiça para alguns, e bandidos promotores da desordem social para outros:
O principal com relação aos bandidos sociais é que são proscritos rurais que o senhor e o Estado encaram como criminosos, mas que continuam a fazer parte da sociedade camponesa, que os considera como heróis, campeões, vingadores, pessoas que lutam por justiça, talvez até mesmo vistos como líderes da libertação e, sempre, como homens a serem admirados, ajudados e sustentados. (HOBSBAWM, 2010, p.36.)
Justamente por assumirem perante o poder legal a imagem de bandidos, foras da lei, estes indivíduos necessitam ser colocados a margem da sociedade e são encarados como, conforme indica Norbert Elias, outsiders, por aqueles que se reconhecem enquanto estabelecidos. Este último, um grupo de maior poder em determinado contexto e que pensa a si mesmo como humanamente superior, e estigmatiza o grupo outsider como um grupo de pessoas de menor valor humano.  
Afixar o rótulo de “valor humano inferior” a outro grupo é uma das armas usadas pelos grupos superiores nas disputas de poder, como meio de manter sua superioridade social. Nessa situação, o estigma social imposto pelo grupo mais poderoso ao menos poderoso costuma penetrar na auto-imagem deste último e, com isso, enfraquecê-lo e desarmá-lo (ELIAS, 2000, p.24)
Estes indivíduos que aderiram à luta revolucionária junto a Aparício, eram estigmatizados justamente por pertencerem a camada campesina, visto que ficavam do lado oposto a politica progressista e anti-rural do batllismo, portanto se colocando como “os de fora”. Pois para o presidente Batlle não havia razões para o Uruguai ter "dois governos" um com sede em Montevidéu e capitaneado por ele mesmo, e outro governo no interior, capitaneado por uma elite pecuarista - que não aceitava tais decisões progressistas - alicerçada justamente na ruralidade e no seu "modus vivendis". Já no caso da Coluna de Honório Lemes, estes homens eram concebidos pelo poder como um bando de bandidos desordeiros, bandoleiros sem objetivos ou ideais políticos, imbuídos em uma luta que apenas queria desestabilizar a ordem no Rio Grande do Sul, algo extremamente caro aos castilhistas-borgistas[5]. Para Borges de Medeiros e o PRR, não havia espaço para a oposição política no estado, que deveria ser exclusivamente comandado pelos republicanos.
Também em ambos os casos, as lideranças apresentavam características peculiares que lhe garantiam enorme prestigio local. Pelo fato de exercerem grande liderança local, formaram verdadeiros exércitos onde a maior patente era o respeito, o que lhes garantia tamanha adesão de combatentes, guerreiros estes que não passavam de desordeiros, e homens sem valor, aos olhos dos governistas. Para Hobsbawm essa liderança é a ideal, pois os homens que exercem a autoridade são cidadãos naturais do lugar e operam em situações sociais de extrema complexidade; outro fator importante para o historiador britânico combinado a naturalidade do líder, é o conhecimento do local onde se atua, pois no caso em questão, esse conhecimento dava imensa vantagem ao caudilho, pois uma manobra bem executada colocava o bando não só fora do campo de visão do inimigo, como também fora do campo de atuação, no caso de transpor a fronteira limítrofe entre países vizinhos. (HOBSBAWM, 2010, p. 41)
Considerações finais.
Como já exposto, este artigo é resultado de uma pesquisa preliminar, a qual carece ainda de inúmeras discussões e reflexões, contudo cabe-nos afirmar a necessidade de maiores estudos acerca da formação dessas guerrilhas e sobre principalmente quem eram essas pessoas envolvidas nas contendas de 1904 e 1923, qual era o seu papel na sociedade e o que os levava a tomar tal atitude de aderir à luta armada.  Citamos exemplos de homens comuns, trabalhadores rurais, que repentinamente se vêem diante da necessidade de sublevar-se contra aqueles que oprimem a si mesmo e a seus pares, com isso tornando-se modelo marginal, contraventor e fora da lei. Nos propomos a iniciar alguns apontamentos e reflexões sobre temas ainda pouco explorados pela historiografia e que carecem de pesquisas, não somente em uma perspectiva comparada, como nos demais vieses que este tema tão amplo venha a nos permitir.
Referências Bibliográficas
AXT, Günter. Coronelismo Indomável: o sistema de relações de poder. In: Günter Axt; Ana Luiza Setti Reckziegel. (Org.). História Geral do Rio Grande do Sul. República Velha (1889-1930). 1 ed. Passo Fundo: Méritus, 2007.
ANTONACCI, Maria Antonieta. RS: As oposições & Revolução de 1923. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1981.
CONGOST, Rosa. Comparação e análise histórica: reflexões a partir de uma experiência de pesquisa. In: HEINZ, Flávio (Org.). Experiências nacionais, temas transversais: subsídios para uma história comparada da América Latina. São Leopoldo: Oikos, 2009.
CORTÉS, Carlos E. Política Gaúcha. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2007.
DAL FORNO, Rodrigo; DOBKE, Pablo. A construção da imagem dos "bandoleiros" maragatos através das páginas do jornal A Federação. In: Anais do II Seminário de História Política: Olhares além das práticas. Rio Grande: Pluscom, 2011. p. 702-725.
ELIAS, Norbert & SCOTSON, John. Os estabelecidos e os outsiders. Rio de Janeiro: Zahar, 2000.
FERREIRA FILHO, Arthur. Revolução de 1923. Porto Alegre: Imprensa Oficial do Estado, 1973.
FERREIRA FILHO, Artur. Revoluções e caudilhos. Porto Alegre: Martins Livreiro. 1986.
FÉLIX, Loiva Otero. Coronelismo, borgismo e cooptação política. Porto Alegre: Editora Universidade/UFRGS, 1987.
GONZALEZ, Luis Rodolfo; RODRIGUEZ VARESE, Susana. Guaranies y Paisanos: Impacto de los indios misioneros en la formacion del paisanaje. Nuestras Raíces N° 3. Montevidéu: Nuestras Tierra, 1990.
HEINZ, Flávio M. Elites, estado y reforma en Uruguay y Brasil meridional: castilhismo y batllismo en perspectiva comparada. El caso de las elites de Rio Grande do Sul en la transición del siglo XIX al XX. In: REGUERA, Andrea. (Org.). Los rostros de la modernidad - vías de transición al capitalismo. Europa y América Latina, siglos XIX y XX. Rosario: Prohistoria Ediciones, 2006, p. 112-135.
HEINZ, Flávio M.; KORNDÖRFER, Ana Paula. Comparações e comparatistas. In: HEINZ, Flávio M. (Org.). Experiências nacionais, temas transversais: subsídios para uma história comparada da América Latina. São Leopoldo: Oikos, 2009.
HOBSBAWM, Eric. Bandidos. São Paulo: Paz e Terra, 2010.
PRADO, Maria Ligia Coelho. Repensando a história comparada da América Latina. Revista de História, Universidade de São Paulo. N. 153, 2005.
SANTOS, Mariza E. Simon dos. Honório Lemes: Um líder carismático – relações de poder no Rio Grande do Sul 1889/1930. Porto Alegre: Martins Livreiro, 1998.
SOUZA, Mara Regina Miranda de. Rosário do Sul através do tempo: apontamentos de Mário Ortiz de Vasconcellos. Porto Alegre: Alcance, 2004.
TELLES, Jorge. Honório Lemes: as revoluções de seu tempo. Rosário do Sul: Saran, 2002.
UMPIÉRREZ, Alejo. La forja de la libertad.  Montevidéu: Ediciones de La Plaza, 2006.
WILLIAMS, Raymond. O campo e a cidade: na história e na literatura. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.


[1] Graduando em Bacharelado em História pela Universidade Federal de Pelotas – rodrigodalforno@hotmail.com
[2] Graduando em Bacharelado em História pela Universidade Federal de Pelotas - pablo_dobke@hotmail.com
[3] HEINZ, F. M. Elites, estado y reforma en Uruguay y Brasil meridional: castilhismo y batllismo en perspectiva comparada. El caso de las elites de Rio Grande do Sul en la transición del siglo XIX al XX. In: REGUERA, Andrea. (Org.). Los rostros de la modernidad - vías de transición al capitalismo. Europa y América Latina, siglos XIX y XX. Rosario: Prohistoria Ediciones, 2006,  p. 112-135.
[4] “O chão começava a tremer de forma crescente em consequência da cada vez maior proximidade do repique dos cascos dos cavalos lançados a toda velocidade, até assemelhar-se a um terremoto que fazia vibrar os corpos como folhas de papel” Tradução livre dos autores.
[5] Ver mais: DAL FORNO, Rodrigo; DOBKE, Pablo. A construção da imagem dos "bandoleiros" maragatos através das páginas do jornal A Federação. In: Anais do II Seminário de História Política: Olhares além das práticas. Rio Grande: Pluscom, 2011. p. 702-725.
Exibições: 207

Um comentário:

  1. Que surpresa ver este trabalho publicado em um blog. Obrigado pela referência.

    ResponderExcluir