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terça-feira, 16 de outubro de 2012

JOAO FRANCISCO A HIENA DO CATI

Gunter Axt


56 anos sem a Hiena do Cati

Em maio, completaram-se 56 anos do falecimento de um dos personagens mais peculiares e polêmicos da história sul-rio-grandense. João Francisco Pereira de Souza, celebrizado pelo apelido de Hiena do Cati, que lhe foi dado nada mais nada menos por Rui Barbosa, nasceu em 12 de abril de 1866, em Santana do Livramento. Não frequentou a escola, mas se alfabetizou na estância de seu pai. Aos 18 anos, em 1884, esteve entre os fundadores do Partido Republicano santanense.

Comandante da 1ª Companhia do 136º Corpo da Cavalaria da Guarda Nacional, criado às vésperas da revolução de novembro de 1891, que derrubou Julio de Castilhos do poder, João Francisco homiziou-se no Uruguai durante o chamado Governicho. Lutou ao lado da Revolução que reinstalou Julio de Castilhos no poder em junho de 1892 e foi designado, em seguida, pelo Marechal Isidoro Fernandes para o comando do “Esquadrão de Vigilância da Fronteira”, com o objetivo de monitorar a ação da oposição federalista na zona fronteiriça. Já, então, se temia a Revolução. Que veio logo em seguida.

João Francisco sempre esteve na linha de frente dos combates que se travaram a partir de fins de janeiro de 1893, quando eclodiu a Revolução Federalista. Sua fama de sanguinário nasceu com a invasão do Uruguai em 23 de agosto, quando, em perseguição a um grupo de revolucionários, se produziram notáveis excessos. O incidente gerou um inquérito no Ministério das Relações Exteriores, que apurou a inocência de João Francisco e de seu irmão, Bernardino, que o teria acompanhado. Mas o Brasil indenizou em 100 contos de réis as famílias uruguaias atingidas na invasão.

Durante a Revolução Federalista de 1893 a 1895, a excepcional desenvoltura militar de João Francisco lhe valeu o prestígio junto aos governistas e o ódio dos federalistas, que cresceu após os desfechos do Campo Osório, onde foi ceifada a vida do Almirante Saldanha da Gama, em junho de 1895.

No final da contenda, o esquadrão de João Francisco transformou-se no 2º Corpo de Cavalaria Civil, sob o comando da Divisão do General Hipólito Ribeiro. Quatro meses após a assinatura da paz de 23 de agosto de 1895, o agrupamento foi dispensado pelo Exército Nacional.

Porém, o presidente do Estado, Julio de Castilhos, determinou a sua conversão no 2º Regimento da Cavalaria Provisório da Brigada Militar, responsabilizando-o pelo patrulhamento da Fronteira. O regimento estacionou na Serra do Cati, localização estratégica na divisa de Livramento e Quaraí. Construiu-se aí um moderno quartel, que contava com água e esgotos encanados, iluminação a gás acetileno, residências para oficiais e soldados, oficinas, pequenas indústrias. Com o tempo, o Quartel do Cati ganhou uma linha telefônica e pombos-correio. Tinha ainda adjacente um núcleo colonial, que provia a tropa de gêneros e abrigava seus familiares. A fama das instalações correu fronteiras, despertando significativo interesse na imprensa no Uruguai, na Argentina e no Rio de Janeiro. Era considerado um quartel-modelo. Assim, com destacamentos bem municiados e adestrados e percorrendo permanentemente os campos e as cidades limítrofes, nada se movia entre Livramento e São Borja que escapasse às vistas de João Francisco.

Enquanto viveu Julio de Castilhos, João Francisco contou com carta branca. Muitos de seus soldados, ele recrutava à força, fazendo arrastões nas cidades vizinhas e capturando jovens em idade militar. Chegou a empastelar jornais que faziam oposição a Julio de Castilhos, sediados em Rivera, em 1902, degolando tipógrafos. Envolveu-se nas revoluções uruguaias, promovendo uma verdadeira diplomacia marginal, paralela ao governo federal. Tornou-se amigo de Aparício Saraiva, o grande general caudilho uruguaio. Aparício faleceu na estância da mãe de João Francisco, no Uruguai.

Suas atividades despertaram forte oposição do governo federal. Em 1908, o governo gaúcho cedeu às pressões e dissolveu o Corpo Auxiliar. O moderno quartel do Cati foi desmobilizado. Dele sobraram apenas algumas pedras e o portão de ferro, em exposição no Museu da Brigada Militar, em Porto Alegre. Como prêmio de consolação, João Francisco passou, então, a exercer o cargo de Chefe de Polícia da região, mas sem mais dispor da força ilimitada de que antes gozava.

Envolvido João Francisco com a prática do contrabando de gado e disputando poder político com a família Flores da Cunha, em 1910 dois de seus irmãos pereceram em um tiroteio, que ficou conhecido como a chacina do Clube Pinheiro Machado, em Santana do Livramento. A cena foi protagonizada pelos capangas de Chico Flores e do então Juiz de Direito Mello Guimarães. João Francisco jurou vingança, mas pouco pôde fazer, pois o chefe do PRR, Antônio Augusto Borges de Medeiros, obstinava-se em destruir a sua liderança local, tendo garantido proteção aos Flores da Cunha e a Mello Guimarães. Consta até que o Partido Nacional (blanco), do Uruguai, chegou a disponibilizar a João Francisco dez mil homens montados e armados para invadir o Rio Grande do Sul e vingar as mortes. Enquanto isso, o então deputado estadual José Antônio Flores da Cunha, pelas páginas do Correio do Povo, em Porto Alegre, atacava duramente o inimigo com uma série de artigos intitulada “Perfídias de um bandido”.

Com o assassinato do senador Pinheiro Machado em setembro de 1915, João Francisco perdeu o seu principal padrinho político. Nos anos 20, chegou a acusar Borges de Medeiros e Nilo Peçanha pela autoria do crime. Em seu livro mais conhecido, Psicologia dos acontecimentos políticos sul-rio-grandenses, publicado em 1923, disse terem sido aquelas as mãos que armaram o braço do assassino Mancio de Paiva.

Em 1916, João Francisco candidatou-se à Intendência de Livramento, fazendo oposição ao candidato de Borges de Medeiros, mas foi derrotado. Acossado em Livramento, mudou-se para São Borja, onde constituiu uma charqueada e entrou em choque com a família Vargas, tendo também se envolvido em sérios confrontos.

Sem lugar no Rio Grande, mudou-se para São Paulo, de onde testemunhou, de longe, o saque de suas propriedades por forças governistas durante a Revolução de 1923. Em 1924, tomou participação ativa no levante tenentista, ao lado de Isidoro Dias Lopes, que mais tarde se conectaria à Coluna Prestes. Acompanhou a coluna paulista até o Paraná, mas exilou-se na Argentina. Passou pelo Rio Grande, onde contribuiu na mobilização do levante de Honório Lemes e Prestes. Em maio de 1925, de Buenos Aires, rompeu com Isidoro, retornando ao Brasil apenas com a Revolução de outubro de 1930, tomando armas ao lado de Getúlio Vargas. Em 1932, esteve do lado legalista. Logo em seguida, já empobrecido, ganhou do interventor Flores da Cunha, seu antigo desafeto, uma aposentadoria de coronel da Brigada Militar. O golpe que instalou o Estado Novo se encarregou de cassar este benefício, restaurado, entretanto, alguns anos depois.

Em 4 de maio de 1953, em São Paulo, com 87 anos de idade, morreu o homem que aterrorizou a Fronteira, aquele que foi em vida a síntese do caudilho gaúcho.

http://www.gunteraxt.com/

7 comentários:

  1. Moro em Santana do Livramento conheço os campos do Cati mas desconhecia a historia..

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  2. Sou tataraneta de João Francisco Pereira de Souza, bisneta de sua filha Luiza Pereira de Assis Brasil. Adorei ler a história.

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  3. Sou bisneto de Joao Francisco,moro em Santana do Livramento

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    1. Boa noite amigo lauro em qual cemiterio de sao paulo foi enterrado seu bisavo ?
      Obrigado caro amigo.

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    2. Bom dia,os restos mortais de Joao Francisco foram cremados em 1979 e tranportados para o cemiterio publico de santana do livramento onde temos um masoleu desde 1906

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  4. Sou bisneta do João Francisco, fiquei sabendo a pouquíssimo tempo, e achei muito legal, interessantíssimo ler a história!

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